Dr. Pedro Grisa,
Como lhe prometi no último simpósio, transcrevo abaixo um texto, que é ilustrativo do encontro de representantes das civilizações da Abundância e da Carência, e da dificuldade de entendimento mútuo de suas mentalidades. Trata-se de um texto copiado no livro Antropologia Cultural: iniciação, teoria e temas, de Luiz Gonzaga de Mello que, por sua vez, usou nesta obra uma narrativa de Jean de Léry. Este autor francês era um pastor calvinista, que esteve na região do Rio de Janeiro, quando da fundação da França Antártica, em 1555, por Villegaignon, e que conviveu algum tempo com os índios Tupinambá. Dessa experiência, ao retornar à Europa, fez publicar, em 1578, o livro “Viagem à Terra do Brasil”, contando suas experiências e apresentando ao Velho Mundo a sua visão do Novo Mundo. Gonzaga de Mello usa um trecho do livro de Léry para explicar a filosofia de vida dos povos tidos como selvagens pelos ditos civilizados.
Espero que esta colaboração lhe seja de algum proveito.
Receba um abraço carinhoso do aluno
Marco Rossoni Filho
Ceopista Curitiba 2011
“ECONOMIA DE MERCADO E ECONOMIA DE SUBSISTÊNCIA
“É mais do que notório o estereótipo que nós temos dos nossos índios: povo desconfiado, preguiçoso, acomodado e vadio. Esta imagem decorre do fato de nossos indígenas não se preocuparem com a produção de excedentes nem se preocuparem em amealhar riqueza. Há todo um conjunto de fatores que levam os povos tribais, em geral, a assim conceberem a vida. A tecnologia rudimentar, a organização social baseada no parentesco, um padrão de comportamento predominantemente tradicional, etc. A idéia do lucro, por exemplo, não era alcançada pelos nossos índios Tupinambá, como mostra a célebre citação de Jean de Léry no seu livro Viagem à Terra do Brasil (1578). (…) O referido autor mostra como os Tupinambá ficavam maravilhados com o empenho de portugueses e franceses que atravessavam os mares para levarem carregamentos de pau-brasil. Informados de que o pau tinta não era destinado à queima e sim a tinturas diversas, um velho índio perguntou se careciam de tanta madeira. Informado de que a madeira carregada por vários navios destinava-se a um negociante muito rico, voltou a indagar o velho: “Mas esse homem tão rico de que me falas não morre?” Informado que sim e que sua riqueza, após a morte, passava para os filhos ou, na falta deste, para outros parentes, sentenciou o velho Tupinambá:
“‘… agora vejo que vós mairs (franceses) sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem: Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimentá-los também? Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois da nossa morte, a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados’”.
“Aí está a razão da pseudopreguiça dos nossos silvícolas. Aí está cristalina a filosofia de vida de muitos povos tidos como selvagens. Nela transparecem uma confiança e uma segurança ímpares, sem similar entre nós civilizados.”
MELLO, Luiz Gonzaga de, Antropologia Cultural: iniciação, teoria e temas, Petrópolis: Vozes, 1982, p.353/4.
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Caríssimo Marco:
Achei o texto simplesmente fantástico!
Creio que não preciso tecer comentários sobre o assunto.
Contudo, ilustra maravilhosamente bem a relação entre povos da Civilização da Carência e povos da Civilização da Abundância.