II – Filhos de Deus? Como?
Eu tinha sete para oito anos. Já sabia como o macho coloca filhote na barriga da fêmea.
Certo dia, à tarde, estou em casa, cuidando de minhas irmãs, quando percebo que a porca, lá no chiqueiro, ajeita as folhas de samambaia gigante, que meu pai havia providenciado, para ela abrigar os porquinhos após o nascimento.
Corro para lá, a fim de assistir ao espetáculo inédito para mim. Passa por mim o Solito, cachorro branco e velho. Solito não só de nome.
Uma idéia luminosa brilha em meu cérebro: “Será que o Solito foi capaz de colocar um cachorrinho branco, na barriga da porca?
Assisto ao parto da porca, em ansiosa expectativa. Nascem nove porquinhos pretos; e não nasceu meu cachorrinho branco…
Fico nervoso e brabo. Xingo a incompetência de Solito, chego a arremessar pedras em sua direção.
Aos oito anos, vou à Aula de Catecismo, afim de me preparar para a Primeira Comunhão, posteriormente, também denominada de Primeira Eucaristia.
Numa das primeiras aulas, a catequista – bonita e simpática professora – explica que foi Deus quem criou o céu, a Terra e tudo o que neles existem…
– Então foi Deus quem fez as plantas e os animais:
– Sim, Pedrinho – responde a professora com um lindo sorriso – Deus fez tudo mesmo.
– Professora – questiono mais uma vez – também foi Deus que fez assim: “que da barriga da porca, só sai porquinho?” – riso dos colegas.
– Sim Pedrinho – responde pacientemente a bonita professora. Foi Deus que fez assim: da barriga da cabra, só saem cabritinhos; e da laranjeira não se colhe limão.
Fui para casa meditando em todos esses ensinamentos. Abracei meu cachorro velho que me pareceu mais bonito e querido. Pedi-lhe desculpas.
Numa das próximas aulas de catequese, com alegria, a professora afirma: “Nós, seres humanos, somos filhos de Deus”.
Acompanho atentamente os novos ensinamentos…
– Professora – intervenho eu – explica direito, como é que nós somos deusinhos?
– Pedrinho, nós não podemos querer nos comparar a Deus, pois isso é pecado.
– Ora, professora, a senhora não explicou, noutro dia, que foi Deus que fez assim “que da barriga da cabra só saem cabritinhos, e que do pé de melancia não se colhe abóbora? Por isso, somos filhos de Deus, deusinhos temos que ser. Mas como a gente faz para sermos deusinhos? Ainda não sei como fazer isso.
A professora falou e falou; contudo eu nada entendi. Fui para casa curtindo chata decepção.
“ Tenho que estudar para Padre – penso comigo mesmo – quem sabe, lá com muitos estudos, possa entender melhor tudo isso.
Sim, dizem que quem estuda para padre acaba até usando óculos, de tanto que força a vista, mergulhado nos livros e cadernos.
Eu acho que ficaria bonito de óculos”…
“Deus fez o céu e a terra e tudo que neles existem”…
Como filho de Deus, eu não quero ter o poder para fabricar estrelas, sol e lua; porém, gostaria de acalmar as tempestades, evitar que o granizo debulhe o trigo quase maduro, e o vento derrube e arranque o milharal…
Como filho de Deus gostaria de poder curar os doentes, sem gastar tanto dinheiro com os médicos e hospitais, como teve de fazer meu pai: gastou uma carreta de sete mulas e uma colônia de terra… E, ainda por cima, Jamir e Adelina morreram, e mamãe chora até hoje por tudo isso.
No meio do choro, às vezes diz que tudo foi culpa da teimosia do papai que quis deixar Rio Grande e vir para Santa Catarina.