III – O Limbo do Deus chato ?
Em outra aula de catequese, a professora explicava com ares de quem sabe. Saímos da aula comentando que a professora parecia uma “sabichona”.
Nesse dia, ela explicou que a gente, crianças e gente grande, todos temos que saber o que é certo e o que é errado, para aprendermos a praticar o bem e afastar-nos do pecado. Deus é justo e, ainda que esteja sempre pronto para perdoar aquelas pessoas que se arrependem e mudam de caminho. Sim, Deus também é misericordioso; porém, quem morre em pecado mortal ou em falta grave vai para o Inferno. E a professora explicava os horrores do inferno de tal inferno de tal jeito que o Walfredo, moleque safado, chegou a perguntar:
– A professora já esteve lá?
– Se eu for ao Inferno, o que é quase certo, gostaria de encontrar a professora bonita por lá.
Todos riram gostosamente…
Depois de uma pausa a professora explicou a diferença entre o inferno e o purgatório. A única diferença – explica a catequista – é que o purgatório acaba, é só por um tempo; contudo, o inferno é para toda eternidade. E os diabinhos gritam: “Sempre aqui, nunca sai”. Dia e noite repetem a mesma coisa: “Sempre aqui, nunca sai…”
A professora comunicou a hora do recreio; todavia disse que o assunto para depois do recreio seria muito importante e muito interessante.
A aula recomeça e a professora fala com alegria: “Vocês todos sabem que as almas das pessoas que morrem, tendo sido batizadas e livres do Pecado Mortal e do Pecado Venial, como as crianças que morrem antes de completar sete anos, que todas essas almas vão para o céu, lá onde tudo é paz, harmonia, corais e orquestras de anjos e santos cantando e executando músicas maravilhosas.
– Eu adoro ouvir Tonico e Tinoco, no rádio, no domingo.
Mais uma vez os risos encheram a sala…
– Mamãe sempre fala que no céu tudo é muito bonito, maravilhoso e gostoso. – explica Josefina – lá é um paraíso.
– Alguém de vocês tem algum irmãozinho ou irmãzinha que morreu, sem dar tempo de batizar, de receber o Batismo?
Um silêncio pesado se fez na sala. Todos os olhos fitos na professora. A linda professora parece passar mal…
– Eu tenho uma irmãzinha que ao nascer já estava morta. Lembro – prossegue a explicação da professora – que chorando de desespero, por ver sua filhinha morta, minha mãe, entre lágrimas exclamava: “Minha filha, no limbo, não. Sim, se Deus quis levá-la tudo bem; porém ela não pode passar a Eternidade, no limbo. Não!”…
Um silêncio mortal inunda a sala…
Maria Luisa, a menina mais bonita, querida e inteligente da sala, levanta-se e pergunta, com voz firme:
Que é o limbo? Que lugar é esse? Minha mãe diz que é o inferno da tristeza e da chatice.
Os meninos mais travessos estão quietos e em silêncio profundo.
Maria Luisa continua de pé, a espera da explicação da Professora.
– O Limbo – explica a voz embargada da professora – é um lugar onde não existe dor nem tristeza, sofrimento nem fogo; porém, também não existe alegria nem gozo, lá não se conhece o bom nem o ruim, nem a festa, nem o castigo, sempre, sempre tudo é sem graça, tudo é silencioso, sem paz…
– Quem inventou esse lugar, Professora – pergunto eu.
– Deus fez tudo, Pedrinho, Ele também fez o limbo.
– Então Deus é chato e estúpido, Professora. Se Ele fez isso, Ele é estúpido e sem vergonha. Essas alminhas não podem passar a Eternidade no limbo, nem a sua irmãzinha.
Naquela noite, ao rezar para meu anjo da Guarda, pedi-lhe que falasse com Deus para ensinar às alminhas do limbo um caminho pelo qual poderiam ir para o Céu.
Somente conciliei o sono, após proclamar a conclusão:
“O Deus do limbo não existe. Seria muito chato para ser Deus”.